quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Classe

Até hoje não encontrei nenhuma definição de classe melhor que esta: fazer o que tem de ser feito na altura em que tem de ser feito.

Num jogo de futebol, em que cada jogador tem um limite resistência, de opções e de tempo para as executar, classe tem muito a ver com economia. Quando se diz «quem não marca, sofre», o que se diz é que, dado o número limitado de oportunidades para marcar golo de que uma equipa dispõem num jogo, se não as concretiza, normalmente perde esse jogo, porque a outra equipa aproveitará as suas.

Esse conceito económico, que podemos traduzir para custo de oportunidade, também pode ser ampliado para as vertentes «capacidade física» e «posse de bola». Uma equipa que desperdiça a sua resistência física em situações estéreis ou que torna a posse de bola barata, perdendo-a nessas mesmas situações de que muito dificilmente algo de produtivo poderá sair, mais facilmente se torna vulnerável a um melhor aproveitamento por parte do adversário.

Isto tem tudo a ver com o Benfica de Jorge Jesus, como ficou claro no jogo com o Twente (escrevo isto no intervalo do jogo, num momento em que sinto que o Twente tem 70 por cento de probabilidades de passar a eliminatória).

Uma equipa com classe teria, aos vinte minutos, marcado pelo menos um golo, aproveitando uma oposição que aposta numa defesa de pressão alta e marcação individual sem saber fazer pressão nem conseguir defender individualmente.

Aparentemente, as equipas holandesas jogam sempre assim – apostam no um-contra-um e esperam que a sua capacidade ofensiva desequilibre os jogos a seu favor. Por isso é que perdem tanto, e por isso é que há tantos resultados de três e quatro golos de diferença.

Por outro lado, o Benfica derrotou-se a si próprio pela mesma razão que leva as outras equipas que jogam contra os holandês a derrotarem-se a si próprias: não estava preparada mentalmente para defrontar esse tipo de jogo, um engodo suicidário, em que a aparência de facilidade, por um lado, provoca desconcentração e uma sensação de superioridade (real), mas, por outro, acaba por trair quem não a concretiza. Ou seja, à décima oportunidade clara de golo, tal como os comentadores da televisão, sempre aptos para discernir o imediato e para não entender o menos óbvio, a equipa do Benfica convenceu-se de que teria toda a noite para marcar golos. Não percebem que o número de oportunidades, mesmo que pareça alto, é limitado. E depois acabou.

(Início da segunda parte. Na primeira jogada, bem à Benfica, contra toda a lógica, num livre, o Benfica marcou. Mas o Twente também vai marcar. Resta saber quantos. Continuo a pensar que o Twente tem mais hipóteses de passar.)

O Benfica, que é uma equipa à imagem o seu treinador, é uma equipa com pouca classe. Não lhe falta capacidade técnica, física ou táctica para fazer as coisas que têm de ser feitas, o que lhe falta é a capacidade de as fazer quando elas devem ser feitas. E isso faz muita diferença.

A falta de velocidade e de reacção do Benfica nas partes finais dos jogos, por exemplo, não resulta (tanto) de uma condição física pior do que a das outras equipas; resulta do desperdício de energia em jogadas de possibilidade de aproveitamento praticamente nulo e de um estilo de jogo em que se aposta muito em poucas jogadas em desfavor de uma fluidez mais lenta, menos desgastante e mais colectiva.

(Dois golos do Benfica enquanto eu lavava os dentes aos meus filhos. Os benfiquistas não sabem a sorte que acabaram de ter neste jogo.)

Ponto extra: Porque é que uma equipa inferior, muitas vezes, consegue obter um melhor resultado que uma equipa muito superior? Porque o seu aproveitamento económico é superior. E isso, muitas vezes, tem a ver com uma preparação mental também superior.

O caso mais conhecido desta economia de esforços é o catenaccio, que levou a Itália a ganhar quatro títulos mundiais e os seus clubes a conquistarem dezenas de taças europeias. Toda a lógica do catenaccio é de aproveitamento. Uma equipa italiana clássica – e o motivo para o futebol italiano estar decadente é já não haver diferenças entre as equipas italianas e as outras, mas o Inter de Mourinho ganhou ao Barcelona a jogar em ultracatenaccio – sabe que, defendendo como lhe foi ensinado, terá, duas ou três oportunidades claras para marcar. Os seus avançados estão (estavam) preparados para as identificar, assim como os seus médios. A forma de as obterem é jogando directo e incisivo, tentando uma e outra vez até aparecer a brecha. E os avançados sabem que, se não aproveitarem aquelas, não terão mais. Estão mentalmente preparados para não falharem. Marcam e ganham 1-0. É a mesma lógica de uma equipa pequena que joga nas Antas, na Luz ou em Alvalade, por exemplo, mas com uma grande diferença: classe.

Sem comentários:

Enviar um comentário