sábado, 13 de agosto de 2011

Para as calendas

O calendário é o grande trunfo do Sporting, porque lhe dá exactamente aquilo de que precisa: tempo. Não tem a melhor equipa, não tem os melhores jogadores – nenhum jogador do Sporting seria, à partida para o campeonato, titular do Porto e, no Benfica, nenhum o seria sem margem para discussão – mas tem o melhor calendário, onde se inclui, já, a vantagem de não estar a disputar a Liga dos Campeões, que é sempre (sempre) um foco desestabilizador na frente interna.

Em condições normais, mesmo numa fase de sub-rendimento resultante da necessidade de aclimatar todos os novos jogadores ao campeonato e uns aos outros, nos seis primeiros jogos do campeonato o Sporting concederia um empate, o que lhe daria, senão a liderança do campeonato, a vice-liderança. No melhor cenário, com seis vitórias e a perda de pontos dos seus adversários, o Sporting pode chegar ao fim da sexta jornada com uma vantagem de cinco pontos em relação ao Porto ou ao Benfica, sem sequer ter tido de fazer nada de extraordinário.

A dinâmica interna daí resultante, a que se juntaria o estado de conhecimento mútuo dos jogadores e da formação do colectivo, juntando-se a um grupo de técnicos e dirigentes muito conhecedores do campeonato, do desafio que é o Inverno e do mercado de Janeiro, daria ao Sporting uma hipótese real, e já não meramente académica, de lutar pelo título.

Pelo contrário, se o Sporting não aproveitar as primeiras seis jornadas para acumular pontos, o mais provável é voltar a acabar no quarto lugar, uma vez que o Braga vai, certamente, fazer um campeonato muito superior ao da época passada – não tem Liga dos Campeões, não parece ter piores jogadores e tem, provavelmente, o melhor treinador do campeonato (o tempo o dirá).

As hipóteses de o Sporting ser campeão (cinco por cento de probabilidades, na minha opinião), dependem da conjugação dos seguintes factores:

- manter-se invicto até à décima jornada, em que visita o Benfica, perdendo, no máximo quatro pontos (dois empates);

- aproveitar o mercado de Inverno para reforçar a equipa com um ou dois titulares indiscutíveis, o que será mais fácil se a primeira volta correr bem e encorajar o investimento;

- ser eliminado da Liga Europa na primeira eliminatória após a fase de grupos (chegar a uma meia-final da Liga Europa, por exemplo, não é um objectivo credível).

Se tudo isto correr bem, o Sporting tem uma hipótese de conseguir consolidar uma equipa-base suficientemente forte para enfrentar o seu verdadeiro desafio: chegar à última jornada, nas Antas, já campeão. Qualquer cenário que implique ter de ganhar nas Antas na última jornada para ser campeão inviabiliza a conquista do campeonato, sobretudo se o Porto tiver também essa oportunidade. A pressão seria demasiado para uma equipa (desportiva e dirigente) de primeiro ano.

Qualquer tentativa de compreender o que este Sporting pode valer, antes de se jogar a primeira jornada do campeonato, é infrutífera. A constituição de um onze-base que conjugue qualidade com resistência anímica e física suficiente para durar um campeonato inteiro, suportando o inevitável período de quebra física com uma disciplina colectiva que garanta os resultados mínimos, e em que pelo menos sete jogadores joguem sempre, é um ponto fundamental numa equipa campeã.

O Benfica teve isso, há duas épocas, com Quim, Maxi Pereira, Luisão, David Luiz, Coentrão, Javi Garcia, Di Maria, Cardozo e Saviola. O Porto teve-o, o ano passado, com Helton, Rolando, Álvaro Pereira, Fernando, Moutinho, Varela, Falcão e Hulk. O Sporting vai ter de encontrar esse núcleo duro.

Numa primeira análise, o melhor onze do Sporting seria:

Patrício; João Pereira, Rodríguez, Polga e Evaldo; Schaars, Rinaudo e Matías; Izmailov, Bojinov e Jéffren.

Não é um onze esmagador e, considerando que Izmailov esteve um ano parado, do meio-campo para a frente todos os seis jogadores seriam novos. Mais problemático, eventualmente, é que no pior sector da equipa, a defesa, apenas o peruano Rodríguez pareça um verdadeiro reforço – não sendo ele, aos 27 anos, um jogador mais que mediano ao nível internacional.

O plantel do Sporting, na verdade, não é tão forte como se poderia crer quando se assistiu ao descarregamento de jogadores durante o Verão.

Caso a caso, da baliza para a frente – considerando que Patrício, provavelmente o próximo jogador a ser vendido pelo Sporting, uma vez que vai fazer todos os jogos do campeonato e da Selecção Nacional e será titular no Euro-2012, não tem discussão:

João Pereira não tem o estofo mental para ser o defesa-direito do Sporting. Vai, provavelmente, custar pontos ao Sporting, certamente perderá, também, o lugar de defesa-direito na Selecção para Bosingwa ou Ruben Amorim (um jogador que vai jogar muito este ano, dada a fadiga acumulada de Maxi Pereira, e que deverá aproveitar uma oportunidade na Selecção dada a escassez de opções), e creio que, provavelmente, acabará por perder a titularidade no Sporting para Pereirinha, um jogador mais inteligente e mais consistente. Não seria surpreendente que João Pereira, aproveitando a actual visibilidade na Selecção Nacional, fosse transferido na janela de Janeiro. Não conheço Arias. Nunca se sabe de onde vem uma revelação.

Daniel Carriço não tem um sexto sentido para o jogo suficientemente desenvolvido para colmatar a sua falta de presença física no centro da defesa. Aparentemente é um jogador mentalmente forte, mas também não parece suficientemente forte para liderar, a partir da defesa, uma equipa como a do Sporting. Se o fosse já o teria demonstrado. Não seria surpreendente ver Domingos a adaptar Carriço a médio-defensivo para aproveitar os seus pontos fortes e disfarçar os seus pontos fracos. O futuro de Carriço – um jogador que, no futebol actual, em alguns clubes nem sequer tem físico para ser trinco –, em Portugal ou no estrangeiro, será a médio ou não será. Polga é uma espécie de Carriço mas para melhor. Já não é, no entanto, fisicamente dominador como era nos dois primeiros anos de Sporting. Um dos dois desempenhará o papel de libero e terá exactamente as mesmas dificuldades na marcação ao segundo avançado contrário. Um dos problemas tácticos do Sporting no ano passado foi ter dois líberos, com as mesmas características, a jogar simultaneamente, sem que nenhum seja realmente dominante no jogo aéreo.

Alberto Rodríguez será o único titular indiscutível na defesa do Sporting. É o único dos titulares em estado óptimo de maturação (e isso é suficiente), e é um bom marcador. Não é, no entanto, um central de nível continental. A relação qualidade-preço só é importante, ao nível dos resultados, se a qualidade for alta. Se essa relação for positiva apenas porque o jogador é barato o resultado prático é ter um jogador de qualidade inferior na equipa, com reflexos nos resultados. Para render bem, Rodríguez, um bom terceiro ou quarto defesa, tem de ter uma defesa rotinada e forte à sua volta, o que parece difícil. Onyewu sentirá dificuldades de adaptação. Culturalmente não é fácil a um americano assimilar Portugal. Fisicamente é um jogador poderoso, mas não tem a malícia necessária para triunfar em Portugal, onde o jogo é pouco honesto. Será usado, eventualmente, em situações pontuais, em terrenos pesados ou em momentos de defesa aérea, e não estará mais de um ano no Sporting.

O facto de Evaldo ter sido dispensado do Porto sem nunca ter realmente jogado define-o. É um defesa apto para jogar como segunda figura numa equipa de nível médio-alto mas não tem qualidade para o tipo de pressão que o Sporting provoca. Não seria espantoso que Turan, um jogador de escola francesa, acabasse por lhe tirar o lugar, o que não abona a favor das opções defensivas do Sporting.

Temos de ver Rinaudo e Schaars em jogos a sério para comprovar a sua verdadeira utilidade – se assumem o jogo ou se se escondem nele, até onde estão dispostos a ir. Formalmente, têm tudo no lugar – experiência de alta competição, qualidade e idade. Mas não os conhecemos. Sendo, no entanto, o meio-campo o sector mais importante numa equipa, não devemos aceitar sem réplica que um meio-campo com dois jogadores que não se conhecem nem conhecem o campeonato português possa ser tão forte como devia. Da mesma forma, apesar da boa vontade de quem o conhece (entre eles Pauo Bento), não se vê em André Santos a qualidade de um Fernando ou um Javi Garcia. Sendo um jogador certinho, pode dizer-se dele o mesmo que se diria de Polga, Carriço e outros: não sendo um ponto fraco, não é também, certamente, um ponto forte, um jogador que seja uma nítida mais-valia numa equipa campeã. Também não seria por ele, contudo, que o Sporting deixaria de ser campeão. De Luís Aguiar se pode dizer o mesmo que de Evaldo: que, não tendo tido qualidade para jogar no Porto, está por se provar que possa ser mais do que um titular num Braga ou do que um suplente num grande. André Martins não vai jogar.

Onde está o difference maker do Sporting? Para que o Sporting se transformasse numa equipa de bom nível e se aproximasse do Porto seria necessário que dois jogadores, do actual plantel, concretizassem pelo menos uma boa parte do seu potencial: Matías Fernandez e Izmailov. Pelo seu papel criativo, pela experiência que já possuem no campeonato e no clube, pela idade, pelo estilo de jogo, um Sporting campeão teria de ser um em que, no Verão seguinte, se dissesse que Matías e Izmailov estavam a ser pretendidos por um Inter, por um Arsenal, por qualquer grande clube europeu. Matias terá o seu ano decisivo. As últimas semanas da última época mostraram um jogador em crescimento numa equipa em depressão e sem pressão. Se não triunfar este ano, com uma equipa feita em seu redor, não passará de um jogador mediano a nível internacional. Quanto a Izmailov, o caso é mais complicado. Um ano sem competir fará com que, provavelmente, venham lesões a interromper os bons momentos de forma, que tardarão a chegar. Apostar num jogador com o histórico de Izmailov para liderar o processo ofensivo de uma equipa candidata ao título faria pouco sentido se não fosse por necessidade absoluta. Serão Matías e Izmailov suficientemente bons, este ano, para colocar o meio-campo do Sporting ao nível de um campeão? Provavelmente não. O meio-campo do Sporting tem muitos nomes no papel mas poucas soluções reais ao nível de uma equipa campeã.

No ataque tanto Capel como Jeffren são, em teoria, melhores que Djaló. Este terá, também, uma época determinante. Não se vê como muito provável uma explosão de Djaló, tendo em conta os antecedentes, mas juntando o seu estado de maturidade ao potencial e ambiente da equipa em seu redor, as possibilidades existem.

Jeffren, um jogador com escola e em segundo plano na melhor equipa do mundo, muito completo (física, táctica e tecnicamente), será a melhor contratação do Sporting. Não engana e foi feito para o lugar que se espera que ocupe na táctica de Domingos.

Não antevejo em Capel um grande futuro no Sporting. É um jogador de contra-ataque, de espaços, e vai passar grande parte do tempo que jogar a passar a bola para trás. Chega ao Sporting numa fase descendente, de relançamento, em que passou de grande promessa a jogador de banco no Sevilha, indiciando falta de consistência, e com menos velocidade no jogo devido ao aumento de peso muscular que vem com o avançar da idade – como Quaresma, Simão, Ronaldo, Figo e tantos outros. O principal motivo para o Sporting ter conseguido contratar Capel terá sido, provavelmente, porque os clubes espanhóis perceberam que a janela de oportunidade deste jogador se tinha fechado.

Há outro factor em jogo no caso de Capel: os jogadores espanhóis, sobretudo os do Sul, tanto no futebol como nos outros desportos, são muito ligados à sua terra e à família, e têm, geralmente, grandes dificuldades de adaptação fora do seu país. Capel é uma contratação mais arriscada do que o que parece. Entre Jeffren, Djaló e Capel, escolhendo dois para ter resultados rápidos, Domingos provavelmente prescindirá de Capel, e isso não ajudará a sua adaptação, pois é um jogador de ritmo alto, que tem de jogar muito para chegar a jogar bem.

Carrillo é um total desconhecido. O que não quer dizer que não seja melhor que os outros.

Uma época inteira ao nível do que Rubio tem mostrado na pré-época faria dele um dos dez jogadores mais desejados a nível mundial. Aos 18 anos, a capacidade física, instinto pelo jogo e pelo golo, técnica e critério que mostra fariam dele titular indiscutível no Sporting. Mas não se deve acreditar que isso venha a acontecer. Não seria de estranhar, contudo, que Rubio alimentasse o Sporting nos primeiros dois meses de competição. É um caso raríssimo de adaptação e o seu estilo de jogo vai dar pontos ao Sporting. Mas se Rubio fosse o jogador-chave na conquista do campeonato entraria na história do futebol português - e deixaria o campeonato rapidamente…

Um dos problemas de Domingos é que Rubio não veio para jogar. Seria o quarto avançado e, de repente, é o primeiro, passando à frente de um jogador que chegou lesionado (Bojinov), de outro que ainda não chegou (Van Wolfswinkel) e de um veterano que não consegue marcar golos suficientes para ser um indiscutível.

Aos 28 anos, Postiga atingiu o seu limite – é um bom jogador, pode fazer estragos, mas anula-se a si próprio. Será sempre um segundo avançado, e é aí que mais rende, porque é melhor a fazer jogar que a marcar. Para o ser, contudo, Bojinov teria de ser o ponta-de-lança que o Sporting perdeu em Liedson. Van Wolfswinkel tem 22 anos e nenhuma prova real dada. Tem escola, mas terá estofo?

Olhar para o futebol como um mercado de transferências leva a olhar para o Sporting como um triunfador (ou levou). Louva-se a capacidade de Carlos Freitas comprar «bom e barato», citando um dirigente do clube. É uma análise prematura.

Em primeiro lugar, está longe de ser seguro que todas as contratações venham a revelar-se boas. Pode haver uma explicação mais lógica para o facto de o Sporting ter conseguido as pechinchas que conseguiu que não apenas de ter sido mais espeto do que os outros: a de, simplesmente, os jogadores contratados não serem valores tão seguros como a novidade sugere. É por isso que os jogadores são mais baratos: porque o Sporting aposta muito na valorização e na recuperação física ou anímica dos jogadores.

Dos jogadores que chegaram, Alberto Rodríguez, Rinaudo, Schaars foram contratados exactamente pelo que rendem agora e para entrar na equipa. São jogadores maduros. Quanto aos restantes, Bojinov vem de um ano nulo, assim como Onyewu, Luis Aguiar e Capel. Serão boas contratações se conseguirem recuperar a forma e atingir o seu potencial. Caso contrário serão apenas dinheiro mal gasto.

Jeffren e Van Wolfswinkel têm uma primeira oportunidade como titulares numa equipa candidata ao título – Jeffren era suplente no Barça e o holandês jogava numa equipa sem ambições.

Arias, Turan, Carrillo e Rubio são «apostas de futuro», mas há um problema: numa equipa que luta para ser campeã não há futuro, há o presente e há o primeiro lugar, e quem não é parte desse processo muito simples está a mais. Ou um jogador jovem é suficientemente bom para ser titular numa equipa candidata ao título, como Di Maria, James Rodríguez ou David Luiz, por exemplo, ou perde a sua oportunidade. O Sporting tem a melhor formação de Portugal. Se houvesse a possibilidade de um clube grande fazer crescer internamente bons jogadores jovens até ao ponto de se tornarem campeões o clube não estaria há nove anos sem ser campeão.

Sem ter dinheiro para comprar jogadores seguros, o Sporting precisa de apostar nas pechinchas. Uma pechincha é boa no sentido económico, mas nem sempre é recompensadora no plano desportivo. Acabar no segundo lugar, vender um ou dois jogadores valorizados e voltar a investir em pechinchas para voltar a acabar em segundo lugar e, apenas se possível, em primeiro, não é uma opção, e isso ficou demonstrado durante o roquettismo, uma dinastia tecnocrática que começou em Roquette e acabou na iminência da desesperada eleição de Bruno de Carvalho para presidente do clube, de que o Sporting se salvou por meia-dúzia de votos.

A questão fulcral no Sporting é que o seu núcleo de veteranos, formado por Rui Patrício, Carriço, Polga, Matías, Izmailov e Postiga, não tem qualidade suficiente para sustentar uma equipa campeã, o que coloca demasiada importância num grupo de jogadores novos no clube e no campeonato português, sendo estes, na sua maior parte, incógnitas em termos de rendimento real. Numa equipa quase completamente nova, o factor mais importante é a química de base – a sintonia entre os jogadores. Se ela for muito boa o todo resulta maior que a soma das partes. Se ela não for suficientemente boa e o talento também não for o suficiente (o que pode muito bem ser o caso do Sporting) a equipa acaba por consumir-se lentamente e sem sucesso.

O Sporting parte para a primeira época do resto da sua vida à procura de um milagre: enganar, ao mesmo tempo, Porto, Benfica e a lógica do mercado. Cinco por cento de hipóteses de isso acontecer será, possivelmente, um valor optimista.

1 comentário:

  1. Incrível reler estes posts e verificar o quanto a análise do Hugo se aproxima do que realmente está a suceder.

    ResponderEliminar