terça-feira, 20 de setembro de 2011

Jornada 5

Falar em sorte parece uma espécie de ácido intelectual: se há sorte, não faz sentido raciocinar, porque o que decide é a sorte, o que fazemos é sempre secundário. Por um lado é assim, por outro, não é bem.

Os jogadores de futebol (que, mais tarde, são os treinadores de futebol) não são pessoas particularmente brilhantes de inteligência, mas estão muito ligados à terra, e sabem reconhecer alguma coisa quando a vêem. Eles não perdem muito tempo a pensar na sorte, se existe, se não existe, como é que funciona, mas sabem que existe porque a vêem, todas as semanas, todos os dias, em todos os treinos, quando jogam. É por isso que são tão supersticiosos: porque, mesmo os que compreendem que a sorte dá muito trabalho, sabem que a sorte, às vezes, está acima mesmo do trabalho. Por isso têm os seus rituais, as suas manias, que são a sua forma (básica, à futebolista, e não digo isto num sentido depreciativo, quando digo básico quero dizer isso mesmo, básico, de base, da terra, sem grandes complexidades filosóficas) de viverem com a sorte.
Os dirigentes, que também não são parvos e que também sabem reconhecer a existência da sorte, sentem a necessidade de não serem tão básicos. Afinal, eles é que são os presidentes da Junta. E assim, de vez em quando, lá nos aparecem os Zandingas, os Delanos  Vieiras, os Alexandrinos, as histórias dos sapos enterrados vivos dentro da baliza, dos carrinhos de supermercado cheios de comida para os sem-abrigo, mesmo envolvendo os mais racionalistas dos homens da bola – já para não falar das capelinhas na praia e das romarias a Fátima.
A superstição não tem a ver com um défice de inteligência – tem a ver com um excesso de energia. Os homens da bola pensam menos que os outros, mas vêem mais e falam melhor com os elementos, incluindo o elemento esotérico.

Quem vê um jogo de futebol ao nível da relva, como eu vi no domingo, pela mera proximidade com o jogo, apercebe-se, inevitavelmente, da influência da sorte. É verdade que, na maior parte das vezes, o que se atribui à sorte, na verdade, não é – é falta de concentração, de força, de jeito, de trabalho, de trabalho de equipa. Mas, ainda assim, é impressionante a quantidade de vezes que, durante um jogo, se perde ou se ganha uma jogada, em qualquer momento e em qualquer ponto do terreno, porque há uma perna cinco centímetros acima do que devia, ou um movimento de braço um milésimo de segundo atrasado, ou uma parte da relva que está mais alta, ou mais escorregadia, ou porque há alguém que tropeça, ou porque a bola bate numa cabeça. E já não falo nos erros não-provocados de uma equipa que ajudam a outra sem que esta tenha feito nada por isso. Ainda agora vi na televisão um atraso para o Rui Patrício quase dar em auto-golo por causa de um alto da relva. Claro que se não atrasarem a bola para o guarda-redes isto não acontecia – mas, e se isto acontecesse num caso em que o atraso era a única ou a melhor opção? Qual é a diferença entre dar ou não dar golo? Sorte ou azar. Não existe erro, nem intenção, nem falta de concentração. Existe o imponderável, mesmo que esse imponderável não seja, realmente, imponderável mas apenas considerado como tal por ser uma hipótese tão distante que não faz sentido ponderar.
O positivismo extremo, racionalista, diz-nos que tudo é matemático. Teoricamente, é verdade.  Na prática, a teoria é outra. O homem prático sabe que existe uma matemática que está para além do domínio e da compreensão humana. Chamamos-lhe sorte.

O que é que me pareceu a jornada? Pareceu-me que, de todas as jornadas, é impossível passar por esta sem falar em sorte.

Porto
Com ou sem 45 minutos oferecidos, com ou sem Hulk, com ou sem ponta-de-lança (e quem fala no domínio de mercado deveria explicar como é que, lesionando-se a segunda opção, que é o que o Kléber era no início do ano, e sabendo-se que a terceira nunca foi opção, o Porto não tem um avançado centro), com ou sem bolas na barra, com ou sem penáltis, o Porto fez contra o Feirense – uma equipa arranjadinha e competitiva, como são todas as equipas que sobem da II Liga, e por isso é que sobem – exactamente o que fez em vários jogos da época passada: o suficiente para ganhar. Qual é a diferença? Pois…

Vamos a ver se nos entendemos: uma boa equipa tem menos vezes «azar» do que uma equipa menos boa. A qualidade chama a sorte, e a facilidade chama o azar. Quem não acredita no trabalho não tem o favor da sorte. Mas há uma sorte acima dessa.
Se o Porto não for campeão este ano, como eu acho que não vai ser, não será por ser pior equipa, mas porque não é o seu momento. O ano passado foi. Completamente. De uma forma avassaladora. Mas agora, de repente, a equipa imbatível parece, com erros próprios incluídos, vulnerável. O momento mudou. Terá mudado o suficiente para provocar uma surpresa? Creio que sim porque, tal como escrevi no princípio daépoca, mais importante que a qualidade é a dinâmica.

Benfica
O Benfica jogou mais do que suficiente para ganhar, mostrou as virtudes e as deficiências do costume, já é estrutural – mas teria ganho sem a sorte do jogo? Sem aquela carambolada do Nolito no minuto a seguir a ter sofrido o golo do empate perante uma equipa incisiva e animada à beira do intervalo, o Benfica teria ganho o jogo? É claro que há mérito, vontade, agressividade do jogador numa jogada dele contra o mundo, mas quantas vezes já não vimos jogadas iguais a acabarem nas pernas dos defesas? Centenas. Milhares.
O «se», evidentemente, é incomprovável, mas quantas vezes já vimos esse filme?

Começa a cheirar a título na Luz. A crença irracional, que até há pouco parecia infundada e mero fruto da fé pura tal era a distância entre as duas equipas, começa a estar mais baseada na realidade. Há jogadores novos que são reforços, há mais dinâmica, mais concentração, mais vontade. Sim, é verdade. Mas ao que cheira a sério é a estrelinha. Com o Feirense, com Nacional, com o Vitória, com a Académica…
E acreditem numa coisa: por melhor que um jogador seja ou por mais que trabalhe, por mais que ele confie em si próprio, não há nada que um futebolista tema mais ou em que acredite mais do que na estrelinha. A grande confiança de um jogador é a confiança de que a sorte está do seu lado. Vem de ver as pequenas coisas a correrem-lhe bem. É assim, com essas mínimas vitórias, todas acumuladas, que se constrói, lenta e diariamente, uma equipa vencedora.

Sporting
Dois golos e o melhor jogador adversário fora de campo nos cinco minutos iniciais por causa de um toque fortuito. Isto não é ter a sorte do jogo? Então nada é.
Além do Elias, que é um jogador de classe-extra, o Sporting só mostrou duas coisas a mais em relação ao jogo em casa com o Marítimo, por exemplo: a sorte do jogo e a confiança de que conseguiria voltar a marcar depois de sofrer o golo do empate. Da mesma forma que se sentiu, depois do 2-0, que o Sporting não ia conseguir fechar o jogo ali, sentiu-se, logo após o 2-2, que o Sporting não ia baixar os braços. E essa confiança resulta da sorte que a equipa passou a ter, que os jogadores passaram a sentir estar do seu lado.

Tudo o resto, os erros colectivos e individuais, a inconsistência, está tudo lá na mesma medida. Este Sporting, que agora parece tão bom porque está com sorte, vai perder mais pontos (pelo menos mais oito só até ao fim da primeira volta) e não tem hipótese de ser campeão, porque continua a ser uma equipa, ainda que acima da média, perfeitamente vulnerável.

Só para tomar nota: mais um frango do Patrício. O Patrício só ainda não saiu da equipa porque o Sporting, pura e simplesmente, não tem mais ninguém para meter na baliza. O Eduardo, no Sporting, neste momento, já era titular.

O que foi

Sporting (IRPR = 0.230) – Os cinco minutos iniciais do jogo retiraram, ao Sporting, grande parte de uma pressão exterior que o adversário e o local do jogo implicavam. Algumas ausências por lesão (izmailov, que já não conta muito, e Jeffren, à qual a equipa também já se adaptou) e relativamente pouca pressão no que respeita a resultados recentes. Os jogadores estão mais à vontade, menos pressionados, que há três semanas.

Benfica (IRPR = 0.215) – Situação de potencial pressão alta, com empate sofrido à beira do intervalo, desarmada pela sorte do jogo com um golo em jogada individual no minuto seguinte. Bom adversário, em bom momento, proximidade com o jogo com o Manchester na quarta-feira anterior ainda a pesar nas opções mas, não nos esqueçamos, jogo em casa e com as alterações na equipa a resultarem de opção técnica e não de impossibilidade.

Porto (IRPR = 0.072) – Lesões a complicarem, ressaca europeia, mas adversário perfeitamente acessível num estádio neutro. Jogadas de golo iminente não marcadas, é verdade, mas outras iguais na sua baliza. A pior prestação da época do Porto se não se considerar a derrota com o Barcelona.


O que fica por saber

A grande dúvida do campeonato, no fundo: dinâmicas diferentes (leve mas contínua depressão do Porto, leve mas contínuo ascendente do Benfica), encontrando-se na próxima sexta-feira, serão suficientes para anular a diferença de qualidade entre as duas equipas, num ambiente extremamente favorável ao Porto?
Por quem é que a sorte vai jogar?

Conseguirá o Sporting não perder mais pontos até ao jogo da Luz, na 11.ª jornada – Setúbal, c; Guimarães, f; Gil Vicente, c; Feirense, f; Leiria, c – e reentrar na luta pelo segundo lugar?
Não esqueçamos as cinco últimas jornadas do Sporting na primeira volta: Benfica, Nacional (c), Académica, Porto (c) e Braga. Se o Sporting não estiver aqui a cem por cento já não vale a pena.

Patrício, a bem da Selecção, vê como se faz (e agora digam que é só saber, acertar com um melão no meio de dois paus a 60 metros de distância...):


1 comentário:

  1. Olá,

    Ainda não tinha comentado o comentário à jornada, mas eu acho estes comentários à jornada, sempre bastante interessantes, com uma leitura de aspectos que é pouco habitual encontrar nas múltiplas análises que se vão lendo por outros lados.

    Para os habitués deste espaço, Hugo, talvez fosse interessante, um destes dias, falar sobre os IRPRs, até para que os valores escolhidos, representados até à milésima, pudessem fazer mais sentido do que aquele fazem assim, enquanto valores algo descontextualizados ;).

    Abraço

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