sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O lugar do morto

«As probabilidades são como a gravidade. Não podes ganhar à gravidade.»
Sonny Crockett, Miami Vice

O Grande Timoneiro pode ralhar o quanto quiser, com quem quiser, no volume que quiser. A grande verdade – e ele sabe-a, porque ele próprio avisou que «o ano passado é irrepetível» - é que ele vai a conduzir a nau no lugar do morto.
Até ao «André» ir embora e o deixar por cá a boiar em mar alto era o melhor lugar da casa. A partir do momento em que, a meia-dúzia de dias de acabar a janela de transferências, Pinto da Costa percebeu que tinha sido enganado pelo miúdo «André» e que entre arranjar um Topo Giggio à pressa ou ficar com um tipo que não ia dar muito cabo da mercearia, preferia o segundo (pelo menos até ter tempo para arranjar alguém melhor), a alcunha do Adjunto de Sonho é «Enganado com F grande».

Pereira já percebeu perfeitamente que não só não é diferente de qualquer outro treinador que passou no Porto – e que só vai ficar dois anos – como que Pinto da Costa só está à espera que ele ganhe para lhe arranjar um emprego novo. Isto, claro, para manter o mito de que no Porto não se despede ninguém por perder (experimentem contar essa ao Octávio, ao Del Neri ou ao Jesualdo – e não me venham com Taças de Portugal, que se nos próximos dez anos o Porto ganhar as Taças todas e nenhum campeonato é considerada uma década vergonhosa para todos os portistas.)
A não ser que a coisa corra de tal forma mal que o Padrinho se veja forçado a fazer um «reajustamento técnico», a arranjar outro treinador e a meter o Timoneiro a fazer trabalho administrativo interno já no Natal.

Pereira passou de André 2.0 a Jesualdo 2.0 numa dúzia de semanas e já não há nada que possa fazer em relação a isso.
Não tem, obviamente, ao contrário de Mourinho e de Villas-Boas, nenhum talento especial para treinador – eu diria mesmo que a diferença de Mourinho para Pereira é a de um treinador nato para um técnico licenciado – e confirma a conhecida tese de que, de facto, geralmente é à terceira geração que a casta degenera.
Já tem as luminárias do regime – Sousa Tavares, Rui Moreira mais algumas velhas glórias pedrotianas – com opinião feita e adversa e está perfeitamente dependente de um grupo de jogadores que não tem a certeza de ter do seu lado, começando pelo homem que tratou de tentar conquistar desde o princípio (a Criatura) mas ao qual teve o azar de dar a cheirar a sua fraqueza. Um treinador que mostra fraqueza a um jogador de alta competição é comido vivo, por mais estrutura que pense que tenha atrás. O Peseiro fez, no Sporting, um trabalho que o Pereira (especulo) jamais conseguiria fazer, e foi corrido com a limpeza de um bisturi.

Não há, entenda-se, nada de racional nesta situação do Porto. Bem pode ele clamar pela classificação, e pelos golos, e por não ver ninguém acima dele, e porque os outros não estão com dez pontos de vantagem, à espera que as pessoas olhem para o bode expiatório do costume – aliás, o verdadeiro e único pecado capital que o Grande Timoneiro cometeu esta época não foi perder com os russos ou com os APOELeses, foi não ganhar em casa ao Benfica.
Também pode dizer que a competição este ano está mais forte – curiosamente, ao tentar salvar o próprio couro acaba por fazer uma pinguinha de chichi na sopa do ano passado, porque chama a atenção não tanto para o excesso de competição deste ano (que é a normal) mas para a falta de competição de então. Não vale a pena.
Não tem a ver com razão. Tem a ver com expectativas.

Os Estados Unidos da América estão em crise económica. Os Estados Unidos são o país mais rico do mundo.
O BPI está numa condição financeira de alto risco. O BPI teve um lucro de 58 milhões de euros no primeiro semestre de 2011.
Os adeptos do Porto estão em depressão. O Porto está em primeiro lugar na única prova que quer ganhar.

Todas estas afirmações são verdadeiras. E todas encerram uma aparente contradição. Como é que isto se explica? Muito facilmente: o Homem não é escravo do que tem, é escravo do que não tem.
«Porque é que você quer subir ao topo do Evereste?», perguntaram a Edmund Hillary.
«Não é óbvio? Porque está lá», respondeu ele.

Vítor Pereira é aquele treinador do interregno que tem de existir sempre antes de se voltar a tentar um novo projecto – é o cadáver que é preciso enterrar para se fazer o luto, fechar o ciclo e começar de novo. Com sorte, ganha o campeonato este ano, vai à sua vida, e já pode dizer (no final de uma carreira que se prevê banal) que foi campeão. Com muita sorte, perderá este ano e será campeão no próximo – o que, com o Porto, não deixa de ser normal. Com azar, daqui a uns meses está a treinar a Académica, a substituir o Pedro Emanuel – que provavelmente devia ter sido a escolha de Pinto da Costa para começar.

1 comentário:

  1. O Grande Timoneiro teve a oportunidade da vida, mas não é deste campeonato. As intervenções públicas mostram muita insegurança, muitas limitações que, sendo tão óbvias, mostram o quão arriscada e absurda foi a decisão de o promover. Para já, vai custar-lhes muito dinheiro, com a saída prematura da Champions. Espero que lhes custe o campeonato.

    O Grande Timoneiro não vai ter muito para fazer, depois disto. Sim, talvez arranje um lugar ou dois, de curta duração, mas vai acabar cedo. Não foi feito para isto.

    Abraço.

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