quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A pérola

Hoje, a propósito do classico, ia escrever sobre os três segundos que fazem a diferença no sucesso do Barcelona, e meter uma história de peixe e melões à mistura, mas de vez em quando aparecem-nos algumas pérolas à frente e não as podemos desperdiçar.



Comprei a Bola, por nenhuma razão em especial, e quando cheguei às páginas do Porto houve uma notícia no topo de página que me chamou a atenção. O título era «Empréstimo de Walter pode valer 4 milhões». Grande negócio, pensei eu. E fui ler a notícia.



E a coisa, então, é assim, tal como é apresentada pelo jornalista José Carlos Sousa:

- o negócio não é o melhor mas também não é o pior, porque o Cruzeiro paga os salários do jogador até ao fim do empréstimo, o que «nos tempos que correm» (sic) já não é mau;

- o melhor do negócio é que os brasileiros ficam com direito de opção sobre 50 por cento do passe por 4 milhões de euros;

- o Porto já só tem esses 50 por cento porque os outros 25 por cento que detinha foram vendidos, três meses depois de serem comprados, à Pearl Design Holding (cá está, as pérolas aparecem quando menos se espera), por 2,125 milhões de euros, um lucro de 125 mil euros em relação a esses 25 por cento;

- como bónus, refere-se que a compra de Walter ao Internacional foi totalmente mediada por um clube-fantasma, o Club Atletico Rentistas (o que, obviamente, faz todo o sentido, porque num negócio transparente entre dois clubes é fundamental existir um entreposto fantasma, onde não fica dinheiro nenhum porque é uma associação de beneficência especializada em ajudar futebolistas a virem para a Europa e mulheres grávidas a emigrarem clandestinamente para os Estados Unidos em contentores);

- o negócio também é bom porque, pelo menos, o Porto tem a hipótese de ainda ganhar algum dinheiro, ao contrário «de outros activos» (sic) que são emprestados, acabam contrato e de pilim népia, nem vê-lo;

- o negócio, afinal, é bom porque «bastará» (sic) o Cruzeiro comprar a metade do passe do Walter por 4 milhões de euros para o Porto ainda ter os tais 125 mil euros de lucro.



Em resumo, é isto. E é muito, muito bom.



Isto não é apenas propaganda. Isto não é apenas lixo. Isto é Alzheimer jornalístico.



Vamos, então, espremer o suminho.



- 1.ª talhada: o jornalista (ou quem lhe ditou a notícia) considera que a poupança dos salários é uma vantagem financeira. E tem toda a razão. Se o Walter ganhar 30 mil euros por mês (ninguém acredita que seja menos, certo?), até Julho de 2015 (coisa pouca…) o Porto poupa 43 salários, o que dá cerca de 1,3 milhões de euros. O que é fantástico é que o argumento dos salários sirva para o que se poupa, no cômputo geral do negócio, mas não sirva para o que se gastou. Evidentemente, a 30 mil euros por mês, nos 17 meses que o Walter passou nas Antas recebeu, só em salários, 510 mil euros, fora os prémios (que devem ter sido poucos uma vez que o Porto, na última época, não ganhou nada). Pode-se dizer que o Porto usufruiu da prestação desportiva do atleta. É um facto. Uma prestação desportiva tão relevante que, ao fim de um ano e cinco meses, o clube prefere dar o jogador a tê-lo no plantel. Porque foi o que aconteceu, ou não? Ao Porto, que não recebeu um cêntimo pelo empréstimo do jogador, ao contrário do que acontece neste tipo de negócios, só faltou pagar ao Cruzeiro para o Walter jogar lá. Não teve de pagar, ao contrário do que aconteceu com outros, e isso, aparentemente, é um critério suficientemente apertado para o jornalista considerar que o negócio «não é mau».

Ou seja, se tirarmos aos 125 mil euros os 510 mil que Walter recebeu só em salários o Porto perdeu quase 400 mil euros com o Walter.



- 2.ª talhada: três meses depois de comprar 75 por cento do Walter por 6 milhões de euros o Porto abdicou de 25 por cento por 125 mil euros, só para poder dispor de capital. Dizer que o Porto vendeu 25 por cento do Walter é um disparate, e dizer que ganhou 125 mil euros é uma barbaridade. Convém, quanto mais não seja, para que nos apercebamos do ridículo da situação, que se o Porto tivesse posto esses 6 milhões no banco ou pago uma parte do seu passivo que está a crédito teria ganho, só no primeiro ano, mais do que esse valor. Ou seja, se não gastasse dinheiro no Walter o Porto ganharia mais do que o dinheiro que supostamente ganhou ao vendê-lo. E já nem vou ao facto de o jogador ter sido vendido a uma off-shore inglesa e comprado através de uma off-shore futebolística que de futebolística só tem o nome. Também não quero dizer que é desta maneira que o Pinto da Costa, os Caldeiras e os argentinos se andam a encher à custa do dinheiro do Porto mas por acaso até quero. Como é óbvio. Qual seria a utilidade destes «entrepostos» senão para lavar dinheiro através das comissões ou outras falcatruas do género?



3.ª talhada: a hipótese do Cruzeiro pagar 4 milhões por metade do Walter, aparentemente, é suficiente para fazer disto um negócio decente para o Porto. «Empréstimo de Walter pode valer 4 milhões», diz o título. Faz lembrar aquele eufemismo que agora os Governos usam para enganar os palermas, quando os jornais dizem: «Portugal conseguiu vender dívida». Conseguiu vender dívida? Vender dívida é uma forma de dizer que pediu dinheiro emprestado, e neste caso a juros altíssimos. Se dissessem «Conseguimos enterrar-nos mais trinta centímetros nas areias movediças» estariam a ser igualmente verdadeiros e igualmente erróneos.

O empréstimo pode valer 4 milhões? Tretas! Se há uma certeza com este negócio é que o Porto não vai ganhar absolutamente nada, porque nem sequer conseguiu negociar uma opção de compra que lhe permita, se o jogador começar a jogar, ganhar um cêntimo a mais do que aquilo que gastaram para o comprar. Recebe o que pagou. Ou seja, é garantido que o Porto não vai ganhar absolutamente nada com o Walter. É este o bom negócio que o Porto acabou de fazer.

Nem sequer vou falar do dinheiro que o Porto perdeu ou do que deixou de ganhar com estes seis/quatro milhões que estão empatados (porque é essa a expressão real) no Walter, e que pode ficar empatados por mais três anos. Talvez fosse oportuno, por exemplo, perguntar ao jornalista José Carlos Sousa de quanto foi o empréstimo obrigacionista que o Porto fez há uns tempos, e qual o juro que praticou, para se saber quanto valem, exactamente, para o Porto, 4 milhões de euros.



Há uns tempos falei sobre a manipulação da imprensa pelos clubes, e este é um caso típico de como a fidedignidade da informação está totalmente pervertida pelo servilismo aos clubes.

Pegando neste exemplo claro, é bom que as pessoas fiquem completamente conscientes do seguinte:

- ao fazer isto o jornalista José Carlos Sousa não está ao serviço do jornal nem dos leitores: está ao serviço do Porto;

- a notícia é feita com o único intuito de branquear a actuação da Direcção do Porto, manipulando a linguagem da informação;

- esta notícia é feita para tentar, deliberadamente, enganar aqueles que sabem ler, partindo do princípio que eles não sabem ou não querem pensar. Estão a contar com a estupidez das pessoas. Quem não quer pensar, não pensa. Mas quem não pensa não se pode queixar de não lhe dizerem a verdade. A verdade está aqui. Só que está codificada, e para a descodificar é preciso estar disposto a isso, sabendo à partida que a fonte de informação é manipuladora;

- há José Carlos Sousas espalhados por todos os cantos de Portugal, Benfica e Sporting também os têm e também os usam, com as mesmas intenções. Benfiquistas e sportinguistas estão igualmente vulneráveis à manipulação se não estiverem dispostos a pensar naquilo que lêem e nas intenções de quem as escreve e quem as alimenta. Ou vocês pensam que os jornalistas tiram as histórias do cú? As fontes de informação deles são, sempre, uma parte interessada na notícia, porque a notícia vale dinheiro ou crédito político.

9 comentários:

  1. LOL. Totalmente de acordo! E para vossa informação, posso dizer que o empréstimo obrigacionista que o Porto fez o ano passado foi de 10M€ a 8% (oito!) ao ano! Uma pechincha.

    Mais posso informar que, dado o desespero que a tesouraria portista está a passar, tentaram outro empréstimo obrigacionista depois do verão que lhes foi prontamente recusado!

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  2. Excelente post-mortem da notícia. Mau jornalismo há em todo do lado, mas há tipos que nem para limpar os sapatos servem e no jornalismo desportivo, então?! . A notícia também ilustra o desespero que se vive em Palermo, para ser preciso este nível de spin!

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  3. Marcou 16 golos em epoca e meia e pouco tempo jogou. Fantastica media de golos por minuto. Nao compensou pelo menos os salarios que ganhou?

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  4. A média de golos é irrelevante, seja do Walter, seja do Kléber, do Wolfswinkel ou do Cardozo. Marcar os três últimos golos de uma goleada de 7-0, por exemplo, não é a mesma coisa que marcar o único golo numa vitória de 1-o sobre o Barcelona.
    Eu percebo a lógica, mas para a utilizarmos temos de mudar a perspectiva. Em vez de falarmos de médias de golos na Taça da Liga, ou na Taça de Portugal contra o Pinhalnovense ou o Ponte de Sôr, devemos falar em termos de equipa. A questão que se deve colocar é: «Foi suplente utilizado numa equipa que ganhou tudo o que tinha para ganhar». Aí, se considerarmos o investimento de um ponto de vista global, e não individual, o Walter, como o Varela, como o Cebola, como os juniores que foram convocados e também receberam salário e prémios, o investimento compensou.
    Nessa perspectiva, todo o investimento é bom se os objectivos colectivos forem alcançados, e todo o investimento é mau se não forem. É uma visão simples, mas não tão linear quanto parece. Por exemplo, se o Porto não ganhar nada este ano, como é que se qualifica o investimento nos salários do Hulk? O Hulk é grande jogador, rende brutalmente, o salário é, aparentemente, bem empregue, mas se não se ganha nada como é que ficamos? É a mesma lógica, mas ao contrário. E não parece fazer muito sentido.
    Da mesma forma que não faz sentido falar em média de golos por minuto, ou até em golos. Outro exemplo: quem é que tem mais golos, o Hulk ou o Nolito? E quanto é que ganham? E quanto é que, nesse caso, mereceria cada um?

    Repara que eu nunca disse aqui que o Walter é mau jogador, ou que não vale 6 milhões. Do pouco que vi dele no ano passado pareceu-me um jogador que podia pegar no Porto. É forte (e com isto não quero só dizer que é gordo), aparece muito bem no golo, como o Farías, e pareceu-me ter boa atitude competitiva. Até pensei que este fosse o ano dele.
    Na opinião dos administradores do Porto, no entanto, o Walter vale tão pouco que foi dado ao Cruzeiro. Dado. Não há outra expressão.

    Se o Walter é ou não é bom jogador, se valeu ou não valeu a pena tê-lo na equipa, é subjectivo, depende da visão de cada um. Mas do que eu trato no post não é isso. Do que eu trato no post é de se fazer uma notícia deliberadamente para se querer fazer do Walter um bom negócio do Porto, para enganar o pagode, quando, em termos puramente económicos e financeiros, o negócio do Walter é tão desastroso que é quase um insulto falar-se dele como um negócio!

    Mas os lampiões que também não se fiquem a rir, porque este jornalismo manipulativo é como o óleo de fígado de bacalhau quando eu era pequeno: toda a gente leva com ele.
    Se se juntasse num camião de gado todos os Éderes Luíses que foram vendidos pela imprensa como «bons negócios» desde o tempo do Fernando Martins dava para comprar o meio-campo todo do Barcelona e ainda juntar o Messi em dia de jogo. E o pessoal deixa-se enganar, não porque acredita mas porque quer acreditar. A diferença entre o Porto e o Benfica é que, apesar de tudo, o Benfica tem mais massa crítica, maior pluralidade de opinião e mais focos de potencial poder, não é um regime absolutista unipessoal, não tem um rei-sol infalível (apesar do Vieira ter essa pretensão), o que leva a que estas situações sejam mais vezes denunciadas. Mas poucas vezes, ainda assim.

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  5. E, fora do tema, mas ainda assim, a reboque, deve-se dizer que esta é a pior altura possível para se fazer maus negócios.Porque o dinheiro está muito, muito, mas mesmo muito caro, mas não só - também porque qualquer milhãozito que se poupe, hoje, pode-se multiplicar várias vezes em termos de poder relativo daqui a dez ou quinze anos.

    Digamos apenas que não é propriamente a melhor altura para andar a pagar três vezes mais por um defesa-direito sub-20 (Danilo) que por um ponta-de-lança de classe internacional (Falcão).
    Defesas-direitos há muitos. Olhem o Maicon. Não joga? Olhem o Fucile, outro grande negócio, que esteve para sair não sei quantas vezes e agora foi dado ao Santos, supostamente para compensar uma reclamação que, segundo o Porto, não tinha base jurídica para existir... Olhem o Sapunaru...

    Entre mortos e feridos alguém se há de salvar.

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  6. Realmente para além de se ler é preciso saber-se ler.Nos meus tempos da guerra colonial entrei em contacto com o que na altura se chamava psico.E ao fim de 4 anos de tropa(o pessoal das colónias tinha que dar 4 anos)todos nós éramos peritos neste aspecto.O que pretendo dizer com isto é que actualmente as psicos por vezes são mais subtis e que por isso é necessário estar bem atento.E esperar por alertas como este que o Hugo nos proporciona.É sempre importante ter mais informação para se poder saber ver o quadro na sua totalidade.

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  7. Você é bruxo Hugo!
    Ainda há dias falou da relação entre o stress e as lesões... E agora o Nelson Évora esta fora dos Jogos!!! Vá de retro, Satanás! ; )

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  8. O Pinto da Costa continua a sua saga na imprensa que começou no fim do ano.Hoje o JN deu à estampa uma grande pérola sobre o dito cujo.

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  9. o scp voltou a casa..........

    vasco

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