sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Maquiavel não explica


Ao fim de mais de uma década como presidente, Vieira está a aprender, à força, uma verdade incontornável: no Benfica não existem monarquias, e muito menos dinastias.

Não tem a haver com mérito, nem com carácter, nem com resultados. Tem a haver com cultura. Com oito campeonatos, Vieira estaria, da mesma forma, fora de prazo.

A longevidade como presidente, aliás, só encontra justificação na situação catastrófica e única em que o Benfica se encontrava à entrada da década passada. Foi uma solução excepcional numa situação excepcional.

Foi.

Como já disse neste espaço há alguns meses, acredito que o tempo útil de Vieira ainda não acabou. Não gosto do Vieira, nunca gostei, mas não confundo a estrada da Beira com a beira da estrada. Escrevi que Vieira merecia ter dois anos com as contas saneadas, o que aconteceria (em princípio) com a assinatura de um contrato televisivo com números realistas. Apanhou a pior crise económica do país nos últimos 90 anos. Continuo a achar que o tempo ideal para Vieira seria mais um mandato. Mas há «mas».

Se Vieira estiver à espera de se perpetuar no poder quer por si próprio quer por testas de ferro, estará a cometer um erro de palmatória, que consiste, precisamente, em não conseguir perceber que o Benfica não é o Sporting – em que os líderes, por tradição, são escolhidos por uma clique de nobres (nas próximas eleições já serão escolhidos por uma claque de grunhos…) – nem é o Porto – um clube sem tradição pluralista, de implantação popular e muito territorial mas sem opinião nem contraditório.

Para muitos benfiquistas, esta propensão para a democracia é uma fraqueza. Para estes – com legirimidade para pensarem assim, acrescente-se – a forma de ganhar é encontrar um Pinto da Costa vermelho. Essa angústia por um Grande Líder explica-se com facilidade. Não é uma discussão que tenha nascido com o futebol português, entenda-se.

Em política, Nicolau Maquiavel escreveu O Príncipe, no século XVI, precisamente para tentar ensinar ao futuro príncipe de Florença que a única forma realista de governar com sucesso seria concentrando totalmente o poder na sua pessoa e assumindo uma estratégia de terror, explícito e implícito. Conhecem a frase: «Os fins justificam os meios»? É de Maquiavel.

Esta corrente realista e totalitária fez escola. Nos últimos 500 anos houve inúmeros regimes em que os seus líderes tentaram aplicar a fórmula maquiavélica, e, actualmente, o realismo é uma escola tão praticada como a idealista. O Porto, por exemplo, é, claramente, um regime maquiavélico – entenda-se que esta afirmação não tem a haver com «bons e maus», com «certo ou errado»; tem a haver com a estratégia de poder interno. O que existe no Porto, hoje, é o Príncipe, aclamado e aceite, intocável e instalado, e em seu redor uma corte de funcionários especializados e tarefas mas politicamente inúteis. Vieira tentou implantar o mesmo sistema no Benfica, mas não conseguiu concretizar a concentração do poder numa única pessoa em vitórias de guerra. De qualquer forma, como já disse, essa não é a matriz do Benfica.

A matriz do Benfica é a do idealismo. Sendo a única grande colectividade legal a funcionar num sistema realmente democrático durante o Estado Novo, conseguiu, graças a isso, não só sobreviver como exceder-se, forçando o próprio regime a aceitá-lo (ao contrário do que se diz, Salazar não era esquisito: qualquer forma de propaganda que servisse para consolidar o seu poder pessoal era válido).

A democracia tem custos elevados. Não só degenera frequentemente em demagogia, perdendo o sistema as virtudes decorrentes da democracia – renovação de valores, de estratégias, legitimidade e autoridade reforçadas pelo consentimento popular, sentimento de pertença e comprometimento com a causa reforçados, e outros – como só faz sentido no longo prazo.

A grande diferença entre a democracia e a monarquia é precisamente essa: o sucesso alcançado pela via democrática é mais estável e longevo, porque não depende tanto das pessoas mas mais do sistema, que vai renovando as pessoas (é um sistema com crises, como todos, mas com uma capacidade de regeneração superior); o sucesso alcançado pelo absolutismo é episódico, depende do carisma e da capacidade de uma pessoa, ao qual o sistema não sobrevive.

Visto de outra maneira, é como comparar um país em que a sociedade civil é forte e outro em que o Estado é tudo. Ambos têm problemas para resolver, mas no primeiro há maior diversidade de soluções quando as crises aparecem, enquanto no segundo se instala o estaticismo por falta de criatividade.

Desde que a democracia se instalou no Ocidente, sobretudo a partir do século XIX, os países democráticos ganharam vantagem cultural sobre os regimes absolutistas e autoritários. O realismo maquiavélico é, frequentemente, utilizado como forma de ganhar no momento, mas revela-se, invariavelmente, ineficaz no longo prazo. O absolutismo só tem presente, não tem futuro. O pluralismo parece não ter presente, mas só ele tem futuro.

O mais difícil, quando se tem o poder, é saber abdicar dele em favor de um bem maior.

Já aqui escrevi que o melhor serviço que Vieira poderia prestar ao Benfica seria, depois de ganhar as eleições, deixar montada uma estrutura técnica que permitisse a qualquer novo presidente mandar apenas na parte estratégica, e que permitisse manter um sistema de decisão técnica e gestão que sobrevivesse às pessoas que, pontualmente, ocupassem os lugares. Depois disso, deveria alimentar duas ou três correntes alternativas, permitindo que os sócios voltassem a ter um poder real no momento em que ele libertasse o mando, e permitindo que a escolha pudesse ser feita em pessoas minimamente preparadas e não em demagogos.

Com isto, Vieira (de quem eu não gosto) ganharia, provavelmente, o lugar como um dos três maiores presidentes na história do clube.

Mas eu sou realista.

Não é isto que vai acontecer.

O que vai acontecer é que, no fim, em vez de saber sair, Vieira (que fez um trabalho espantoso, de facto) vai ser apenas um bom presidente do Benfica forçado pelos sócios a abandonar a cadeira.

O melhor que o Benfica tem é precisamente que, quer ele queira quer não, é isto que vai acontecer.

E é por isto que o Benfica continuará a ter a vantagem funcional sobre os seus adversários à medida que os níveis de competitividade destes vão oscilando.

Afinal, como todos compreenderão, aprovar um prejuízo de 12,5 milhões de euros não é mais que uma irresponsabilidade – uma irresponsabilidade que, em noventa por e oito por cento dos casos no futebol português, passa, mas que um sistema democrático tem muito mais facilidade em reconhecer e corrigir do que um Estado papal, em que toda a autoridade está no papa, e em que ir forçar a demissão do papa equivale a demolir a catedral.

3 comentários:

  1. muito bom post! obrigado pela clarividência.
    é tão saudável sentir que há benfiquistas que conseguem ver além da poeira que lhes é lançada e que lhes perturba a visão.
    também eu não gosto do nosso presidente, mas com as alternativas que existem, nenhumas, voto nele e ainda lhe agradeço por tudo o que fez e tem feito pelo glorioso Sport Lisboa e Benfica, sem nenhuma dúvida que merece cortar a fita do nosso Museu, por algumas razões, mas sobretudo pela forma como ajudou a dar credibilidade ao monstro adormecido que foi o Benfica que ele recebeu. Obrigado Filipe Vieira! e desculpa algum mal entendido de gente que não sabe o que anda cá a fazer, desculpa, português não vê, olha mas não vê ahahahah e o Benfica é Portugal ahahahah
    Viva o Benfica!
    e pluribus unum!

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  2. Sim, Hugo, Vieira fez um trabalho espantoso, de facto. De um passivo de 133 milhões, passou para 426 milhões, e tudo isto para ganhar 2 títulos em 9 anos. No último exercício, com receitas recorde de 91 milhões de euros, o passivo aumentou de 379 milhões para 426!!! Isto é uma loucura que não vai acabar bem!
    Já nem aceito o argumento do estádio, que devia estar pago este ano e agora só em 2024. E pergunto para quê?!! Para quê?! O que ganhámos com este espiral incrível de dívida?

    Há coisas positivas no mandato de Vieira, desde o estádio ao centro de estágio e à criação de uma estrutura profissional no Benfica. Mas hoje é inequívoco que a gestão de Vieira simboliza o fracasso desportivo, nada condizente com o passado vitorioso do Benfica e a ruína financeira. O monólogo recente sobre a necessidade de desinvestir, formar e vender seria racional, compreensível e aceitável, não tivesse sido ele proferido pelo homem que na prática, vai deixar o Benfica com as suas finanças num estado nada menos que calamitoso!

    Por mim, o último exercício foi a gota de água. Vieira é um incompetente, corre o risco de bater Damásio como o pior presidente da história recente do Benfica (excluindo Vale e Azevedo, porque a história do Benfica não pode ter criminosos como ponto de referência)!

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  3. Hugo:que remédio vamos ter senão apanhar com LFV por mais um mandato.Ele sabe-o bem.Mas à minha custa não será.Teve 10 anos a gerir o futebol,meteu o Veiga que só deixava jogadores contratados por ele,correu com o Veiga,foi buscar camiões de jogadores e alguns até bem caros e quando foi buscar o Rui Costa(que trouxe realmente bons jogadores-Aimar,Saviola,Javi Garcia,por ex.)conseguiu ganhar 1 campeonato e aqui d'el rei que EU e o JJ é que percebemos disto,demite em directo o Rui Costa e lá foram buscar camiões de jogadores ,sem estofo para o Benfica,que jogaram 1 ou 2 jogos e foram vendidos abaixo do preço de compra e outros imediatamente emprestados.O porquê disto?Tenho todo o direito de achar que nada disto é inocente pois não acredito que sejam tão estúpidos a gerir desportivamente o plantel.E é por isto que não terá o meu voto.Nunca.E as receitas recorde que tiveram,com o passivo a bater também um recorde.Não se percebe ou antes começo a perceber.Toda esta história cheira mal.Cheira a merda.

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